sexta-feira, novembro 6

Eu sei, ainda é sexta...

...Mas como hoje não terá post mesmo e como eu acabei de terminar um texto sobre arte telemática para um trabalho e, apesar de saber que ninguém vai ler até o fim, postarei aqui porque gostei do resultado final.


estudo de esqueleto e proporção humana - Sanguínea e Pierre Noir s/ A2

As mídias telemáticas e a possibilidade de integração entre espectador e obra - Renan Marcondes

O tempo julga e define a arte. Mas ela está sendo feita, e não só por quem a concebe, pois a arte é conseqüência de uma série de fatores sociais e culturais que resultam em um determinado tipo de expressão em determinado meio. Não há, principalmente na contemporaneidade, o conceito de “gênio criador”; da catarse individual e fruto unicamente da inspiração que gerará um obra artística. A arte apreciada por um grupo é fruto dele próprio – apesar de caber ao artista saber decifrar essas características comportamentais de uma sociedade e transmiti-las visualmente – e tem como função gerar para esse grupo sua própria auto-reflexão e contato consigo mesmo.
A questão da função da arte é muito discutida desde seus primórdios, e após milênios de produção, não há um consenso em relação à esse conceito: serve ora como registro, símbolo, compreensão do mundo, presentificação do homem, agente transformador ou até mesmo nada, visto que a arte em si não possui função utilitária (e só passará a ter ao tornar-se design). Porém, apesar dessa divergência conceitual, não há dúvidas que a arte é conseqüência de um meio social no qual o artista se encontra aliada a um meio técnico por ele utilizado para chegar no resultado obtido.
Os meios possíveis são os mais diversos, principalmente após tantos anos de pesquisa de materiais e desenvolvimentos tecnológicos que possibilitaram a criação de muitos meios para a produção artística, desde os considerados mais tradicionais até à junção do conceito de arte e tecnologia digital. Apesar da possibilidade do uso, como dito acima, acredito que nem todos os meios dialogam da melhor maneira com a proposta da contemporaneidade, pois a própria sociedade, apesar de certa recusa em aceitar o contemporâneo e as novas mídias em diálogo com a arte, não está estruturada para entender a função que uma pintura a óleo exercerá sobre sua cultura. Não digo isso no âmbito histórico, pois o que já foi produzido possui o seu valor representativo para a sociedade. Mas a produção atual precisa dialogar com os meios com o qual estamos habituados e que relacionam-se a nossa vida, afinal, o espectador precisa se relacionar com a obra de alguma maneira, caso contrário a obra não estará exercendo sua função básica de gerar algo no espectador.
Muito se discute sobre a influência da internet em nossas vidas como instrumento alienador, isolante regulador e fonte de falsas ou incompletas informações. Há sim um aspecto a ser considerado em relação a essa “obrigatoriedade” e da necessidade da informação direta na nossa sociedade, e conseqüentemente da internet, que aliando-se ao conceito de exclusão digital, revela um fator a ser melhorado em relação ao seu uso. Porém, não há como negar que, como meio telemático, a internet e as tecnologias a ela agregadas exercem um papel fundamental na constituição da nossa sociedade, criando verdadeiros ambientes paralelos de convivência e comunicação, onde há, dentro dessa “rede”, um conceito de poder pessoal de cada um que a manipula.
As redes que circulam pela internet, desde ORKUT, Facebook, Twitter, até games onde há a interação de diferentes pessoas, possuem um elemento de personalização e possibilidade de criação de um novo “eu”, ou de um avatar que o definirá. Apesar de muito se falar sobre a perda de privacidade em redes de comunicação, há por cada pessoa que o possui, uma criteriosa seleção de elementos que, compostos, irão “vender” e “promover” sua imagem dentro daquele mundo virtual. Essa capacidade de criação de uma (falsa) segurança sobre o que seria o verdadeiro eu em relação ao que se quer mostrar aos outros é um fator muito interessante pois condiciona todo um ciclo de relações entre as pessoas que antes não existia. Há uma seleção de contatos, de redes e relações que se baseia por essa criação do “eu” ideal, que é reflexo direto do surgimento da passagem da sociedade do ser para a sociedade do ter. Além disso, há a possibilidade de acesso e construção imediata do conhecimento e da informação, como no caso do youtube ou até mesmo da Wikipédia, que é construída por seus próprios usuários, ou seja, não possui a imparcialidade típica dos meios de informação, mas sim uma uma fusão gigantesca de opiniões, sub-conceitos e teorias embutidos em conceitos explicados, mesmo que inconscientemente.
Pode não parecer, mas a internet está cada vez mais humana. Não é o homem em si, mas é a tentativa de representar o que há de melhor em cada um, ou pelo menos o que há de mais vendável. Isso é extremamente interessante pois é conseqüência direta do aumento da competitividade, da necessidade de informação direta e de fuga de uma realidade muitas vezes opressora e incompleta.
Portanto, existe claramente, a necessidade de usar o computador, mais especificamente a internet, para levar a arte contemporânea as pessoas. Não se trata de coisas como criação de um site de fotos de arte na internet, mas algo que entre nesse meio irreal e que os alerte para essa produção de perfis e tipos inexistentes ou mutantes. O futuro da performance está dentro da internet, está nesse meio tão presente e tão pouco utilizado no quesito artístico. As possibilidades sem dúvidas são inúmeras, além da possibilidade de união entre artista e espectador, afinal, a internet é mutante e inconstante, e é alterada a cada segundo por um bombardeamento de novas informações e detalhes em seu design, portanto, sua arte será, quase que obrigatoriamente, o processo e a mutação do que é proposto pelo artista por quem se relaciona com essa obra.
Uma característica interessante é que uma obra de arte na internet inverteria de certa forma o conceito do efêmero, pois as obras efêmeras possuem a “ação” momentânea, mas sua proposta artística pode ser eterna, pode se manter. Na internet porém, há a possibilidade do surgimento de algo onde a ação é constante, e a própria proposta seria essa mutação, essa impermanência do que está presente pelas mãos do espectador. Ela também dissociaria uma problemática muito discutida atualmente, que é o conceito de museu e curadoria, visto que ela estaria disponível sempre e em qualquer lugar com acesso a essa tecnologia tão difundida atualmente.
Pouco foi desenvolvido em cima disso, ao menos pouca coisa que atingiu uma notoriedade representativa e realmente transmitiu a mensagem proposta. Temos com exemplo o trabalho Desertesejo, de Gilbertto Prado , que dialoga com as questões de solidão, sensação de contato e contato virtual de forma poética, ou o site de Juliet Martin, que fala sobre o tempo e sua relação em nossas vidas através de um questionário pessoal. As possibilidades que a internet oferece sem dúvida são muito maiores, e estariam sempre relacionadas a força que esse meio telemático tem em nossa vida no presente momento.
Para mim, apesar da explicação breve, ainda há inúmeros outros fatores que tornam a internet um meio tão fértil para o desenvolvimento artístico. A possibilidade de atingir todo um mundo que está conectado a essa tecnologia e alertá-lo das problemáticas dela mesma é sem dúvida algo que pode ser muito bem explorado, principalmente pelo fato de ser cada vez mais fácil fazer com que as pessoas tenham acesso ao que você quer mostrar à elas. Como dito anteriormente, para pessoas que agora se relacionam mais com o virtual do que com o real, é necessário achar algo que, virtualmente, aponte a problemática de seu próprio meio, portanto, o futuro da arte, principalmente de conceitos como performances e happenings terão que acontecer virtualmente e atingir primeiro a carcaça virtual de cada um para depois – e através disso - penetrar em sua consciência e realizar a função transformadora e reflexiva da arte.

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