Os primeiros fatos a serem notados em "Dogville" são; o filme é divido em atos, há um narrador e em toda a cidade não há cenário. A divisão das casas, das ruas, cômodos ou jardins, é feita por demarcações brancas no chão onde os personagens agem como se realmente houvesse paredes e objetos ali. Por isso que a princípio talvez vocês - que não assistiram - desanimem, mas sejam fortes. Passados os primeiros 40 min, tudo dá certo.
O filme de fato começa com a chegada de uma fugitiva chamada Grace que aparece no meio da noite, após terem se ouvido alguns tiros. Ela é acolhida por Tom, um escritor estacionado com medo de não ser bom o bastante, minerador da própria alma e um verdadeiro antropólogo da cidade. Inicia-se um dilema entre esconder Grace ou não na cidade, já que é procurada pela polícia e pelos gângsteres de quem fugia. O nada que eram as vidas dos cidadãos de Dogville é invadido por questões como; Por que se arriscar por uma desconhecida? E até que momento confia-se em um outro?
Os moradores a primeiro momento são os exemplos de pessoas paradas no tempo, com costumes e tradições tão enraizadas nelas mesmas que até esquecem-se de o quão triste estão suas vidas. Logo, Tom organiza uma reunião onde fora decidido que Grace ficaria por duas semanas, para então a decisão final seria dada. O plano do futuro casal era fazer Grace necessária para os moradores, com uma chance recebida ela dá a si mesma em troca.
Primeiramente ninguém precisava que ela fizesse nada, ao passo que ela decide começar a fazer o que não era necessário, e que ninguém mais faria. Em pouco tempo Grace invade o cotidiano e o pessoal de cada família, dividindo seu tempo para passar em todas as casas todos os dias sem exceção. A presença de Grace vira agradável e ela finalmente se faz necessária, ganha um salário e assim a deixam ficar.
Os moradores ilustram pessoas que ao se depararem com a possibilidade da chantagem, de terem o que lhe faltava naquela cidade, e de enfim serem mais do que alguém, desumanizam a figura – do outro - da moça. Grace perde seu valor, sua dignidade e por fim seu corpo. Sofrendo não só de abusos morais, ela é estuprada pela primeira vez. Tendo seu sagrado corrompido para sempre.
Em todos os personagens há uma clara deficiência de caráter e abstinência de algo em suas vidas, e seria Grace que deveria preenchê-los, como um pagamento pelo silêncio. A moça sai tanto do seu eixo para doar-se ao resto da cidade, para ajudar e fazer o que imagina certo, que perde todo o seu valor.
Quando as ações tomam dimensões não humanas e de completa insanidade para o espectador, Grace finalmente é delineada como arrogante por acreditar que é a única pessoa condescente com o resto do mundo, sabendo perdoar e relevar por causa das dificuldades que os outros passam.
De uma forma quase que inconsciente o espectador finalmente compreende tudo e chega junto com Grace à mesma conclusão; a necessidade de justiça com as próprias mãos. Colocando-se no lugar dos moradores percebe que eles não fizeram o suficiente, por nada ou ninguém e que alguém precisa puni-los para que não se repita com mais nenhum inocente. Para que aqueles não destrinchem o sagrado alheio novamente.
Eu me peguei na primeira vez em que assisti, de pé no sofá, gritando a plenos pulmões; "Mate-os! Mate todos eles! Nós precisamos de sangue!" Assim, sabe, eu não sou uma pessoa violenta. E nem gosto de sangue.
Talvez Lars Von Trier represente tão fielmente o ser humano, seus instintos e até onde pode chegar para sentir-se completo e satisfeito com o que julga lhe merecer, que parece ser improvável e insano aos olhos alheios. Mas a prova de que tudo isso se encaixa muito bem no nosso subconsciente é o ponto que atingimos no final do filme - olhe o meu exemplo, gente -, por sermos condescentes com Grace.
Sério, assistam. [Eu não contei tudo aqui, para não estragar]
Depois eu talvez poste o significado para sagrado.
Mudei meu voto de melhor post. Apesar de ser uma viagem, gostei muuuito.
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