sexta-feira, abril 9

Divagações sobre arte contemporânea

Como a arte contemporânea se comporta em um prisma mais específico? Como se traduz essa linguagem ainda indefinida em uma São Paulo d séc. XXI totalmente movida pela rapidez e que demanda um conhecimento apenas superficial de quem aqui mora? Qual a necessidade e a viabilidade de se aprofundar para a compreensão de uma obra? Esse aprofundamento é necessário ou ele conduz a uma descaracterização e conseqüente perda da qualidade da obra por requerer algo além dela para sua totalidade? A arte contemporânea necessita sempre de um estudo e pesquisa além-obra para a compreensão total? Se sim, há uma elitização da arte? E essa elitização é correta e imutável ou há a possibilidade de se realizar algo que atinja a todos de uma mesma maneira?
Existem, na minha opinião, discussões muito sérias acerta da arte contemporânea e qual o valor dessa contemporaneidade na produção, propostas e leituras de obras. Em um período onde a conceituação da obra possui um valor quase tão grande quanto ela própria, pergunto-me se estamos realmente indo para o caminho correto ao requerer todo um conhecimento prévio e desenvolvimento pessoal próprio de interesse para a busca dos significados e pesquisas de um autor ao produzir uma obra. Qual a reação das pessoas em um momento onde a arte, a qual denominamos apenas contemporânea por estar situada ao mesmo tempo que o nosso, não possui um viés específico pelo qual podemos situá-la e estruturá-la, portanto, não temos controle sobre ela. Não conseguimos catalogá-la corretamente, ou estabelecer temas e poéticas constantes, e isso, como tudo que é desconhecido e portanto, pode possuir poder maior ao próprio homem, nos assusta.
Viso, dessa forma, registrar algumas preocupações, questões, dúvidas e desenvolvimentos pessoais do meu trabalho levantados durante os anos de pesquisa na Faculdade de Artes Visuais. Por não ter a preocupação de tratar de um tema específico da arte e sim, passar por alguns pontos que certamente surgirão durante pesquisas e estudos, os temas tenderão a variar desde a importância da arte-educação e de como ela é ministrada em muitas escolas do Ensino Médio no início desse século até a importância de certos elementos no meu trabalho. Acredito que o legado escrito de uma produção gera uma visão totalmente diferente ao lidar com as obras de um artista a posteriori. As anotações de pesquisa e desenvolvimento de um trabalho são títulos, tintas e linhas que também fazem parte da obra, e são requeridas para sua compreensão total. Na verdade, ao falar isso, caio na primeira contradição de muitas que com certeza me deparei por aqui. Acredito fortemente da necessidade de clareza na arte, pois ela não é apenas para os críticos, parcela da população e estudantes que tiveram acesso ao seu conteúdo e desenvolvimento. A arte, principalmente em uma sociedade com tanta necessidade de fuga e escape do cotidiano que exige uma absorção absurda de informações a toda hora, não pode requerer que o espectador possua um conhecimento prévio para o entendimento da obra, o que não significa que ele não possa passar por um período de não-compreensão. Porém, há que se ter uma resposta pessoal, acredito que quase involuntária, que ache um significado e resposta para o que foi visto. Mas a obra não deve ir além dela, deve ser apenas a obra. Ela, por si só, já é infinita, e, se bem realizada, já contem tudo o que deve conter. Por outro lado, acredito na importância da documentação escrita para a compreensão dos objetivos e processos utilizados para se chegar no resultado final. Nesse caso, o acesso é de complementação, não necessidade primária para compreensão. OS escrito de um artista não devem ser necessários para a compreensão em primeira instancia, e sim para um desenvolvimento e desdobramento do espectador que tiver necessidade de desenvolver os pensamentos estimulados pela obra vista.
Existe, por parte da crítica especializada, curadores e público de arte em geral, a necessidade de uma teorização para qualquer tipo de produção que tiver a premissa de ir ao público e ser difundida na sociedade. Tanto já foi visto e discutido pela arte, incluindo sua própria função e utilidade, que a busca por temas e conceitos tomou níveis que simplesmente não correspondem com a outra parcela da sociedade que não “vive” arte. Ao tratar desse tema, é necessário abrir um parenteses para o Brasil e sua relação com a arte, pois possuímos uma cultura popular onde a arte contemporânea não está incluída como deveria, alias, todo o tipo de arte passada durante os anos de formação é, ao meu ver, totalmente deturpada e ocidentalizada, muitas vezes focando em conceitos, épocas e estilos que visam somente na aprovação em um vestibular e que não oferecem ao aluno a amplitude da arte e, portanto, não despertam o interesse dos jovens em se aproximar da arte. Por vir de uma longa data esse tipo de ensino que limita o desenho logo na primavera do desenho infantil, como estudado por Edith Derdyck no seu livro “Formas de se pensar o desenho”, e que apresenta a arte de forma totalmente maçante de desestimulante(salvo raríssimas exceções de professores conscientes e que se auto-estimulam para a pesquisa de arte-educação, visto que toda essa teoria e informação está muito direcionada apenas a quem tem o interesse prévio de procura-la); há a criação de um ciclo vicioso, onde pais também não estimulam esse tipo de interesse dentro de casa e que termina por criar um distanciamento da grande massa da arte e da busca da sua compreensão pessoal do que ela representa, situação que é totalmente ignorada por muitos dos estudiosos da arte, que criam uma utopia em suas cabeças onde todos, de alguma forma, respondem à arte de alguma maneira, mesmo sem instrução prévia ou costume com a prática de se ver arte. Há, principalmente nessa geração, um enorme preconceito que deriva tanto dessa metodologia precária e mal-estruturada de uma sociedade que visa muito mais outras áreas do conhecimento em detrimento das artes, quanto da situação já mencionada do desconhecido, do estranho, que em qualquer situação, gera um primeiro afastamento e receio por parte do homem.
Em meio aos próprios estudantes que dividem o espaço universitário comigo e que são oriundos dos mais diferentes locais e culturas, encontro um gigante preconceito em relação à arte contemporânea que realmente vem de uma cultura familiar onde arte ainda era mímese, ou seja, havia ainda padrões antigos de representação que eram tidos como verdade absolutas, como proporção, medidas, semelhança, suportes-padrão, enfim, toda uma cultura artística que vem sido rompida desde o impressionismo. Para pessoas que se originam desse tipo de cultura, o contato com a arte contemporânea é muito tortuoso e de difícil acesso e compreensão, assim como a conceitualização da arte e seu feitio dado a a partir de um propósito. Esse tipo de pensamento é totalmente inconcebível, afinal o fazer artístico, devido a esse aspecto cultural, ainda relaciona-se com o lazer, com o “fazer porque é legal”, com um contato muito pueril com a arte que é reforçado dentro das próprias instituições de ensino pelo Brasil, que estimulam a arte como mimese, totalmente ocidentalizada e dividida historicamente de forma “falsa” e burocrata. Compreende-se que há de se respeitar um currículo geral e muitas vezes as artes realmente devem dar espaço a outras matérias escolares, mas o modo como ela é apresentada deve ser fortemente repensado dentro das instituições de ensino. O governo brasileiro, por um lado, vem tentando implantar nas escolas, através de folhetos e apostilas explicativas, novos tipos de meios artísticos, como instalação, performance, audiovisual, e deve-se considerar isso como um avanço importante, mas partindo do pressuposto que nem sempre esse conteúdo é passado e visto adequadamente, e que todo esse conteúdo a mais requer uma base muito forte dos meios artísticos comuns à história da arte, percebe-se como o passo dado é pequeno em relação ao tamanho do problema enfrentado no ensino de arte no Brasil.
Outro fator que acredito ser crucial no ensino da Arte pré-especialização durante a vida acadêmica é a integração das artes, que na verdade, remetendo à Hélio Oiticica, não se integram, pois não são coisas diferentes, e sim, uma só arte. É necessário um primeiro contato a todas as artes desde muito cedo para habituar e estimular os sentidos e acostumá-los com o contato co a arte. Estamos criando uma geração onde há um enorme preconceito em relação ao que é antigo, de música clássica a peças de Sófocles, pelo simples fato já mencionado da não-compreensão pela falta de costume. É preciso guiar os gostos e habituá-los ao que é espiritualmente saudável ao ser humano. A produção artística que se direciona às grandes massas, falando na sua totalidade, é muito fútil, desprovida de significados, pois se aproveita desse preconceito desenvolvido e cria algo de facílima compreensão e que, muito geralmente, liga-se a algum aspecto lúdico e prazeroso da vida que gerará uma receptibilidade enorme por parte do espectador, que é diretamente relaxado e acalmado por aquela superficialidade tremenda(vide os quadros de Romero Britto estampados em caixas de sabão em pó ou funks que repetem a mesma frase durante 5 minutos como a letra mais procurada do semestre). Temos que reverter esse processo de imbecilização e alienação da sociedade o quanto antes pois já foi percebido por muitos que trabalhar em cima da ignorância gera um enorme dinheiro. Não falo de erudição pois é totalmente impossível aprofundar-se em nossa cultura de superfície, Wikipedias e Google, onde, de acordo com Jorge Larrosa, a informação entra como negadora da experiencia.
Ao normalizar um contato com as artes clássicas e a produção significativa dos seculos anteriores, estaremos certamente preparando nossa sociedade para uma compreensão da atual produção contemporânea, não somente nas artes visuais, mas em todas as formas de artes, além de facilitar o entendimento do entrelaçamento entre as diferentes áreas artísticas e como ocorre o diálogo entre elas.

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